quarta-feira, 15 de agosto de 2007

MORTE


Quando a morte nos é familiar, a nossa percepção do mundo muda, tudo muda à nossa volta, talvez porque a partir desse fatídico momento constatemos a mais pura das verdades e a mais dolorosa: acontece a todos. E aí apercebemo-nos que fazemos parte integrante desse "todos", ao qual não gostariamos de pertencer apenas nesse aspecto em particular.
Ninguém está preparado para morrer, é sempre cedo demais, ainda temos tantas coisas para fazer, para mudar nas nossas vidas e o desejo de recuar atrás no tempo é forte, forte e cruel na sua impossibilidade. Às tantas não fariamos nada diferente, não seguiamos rumos diferentes, talvez só exista mesmo um que nos é entregue à partida, mas mesmo assim, mesmo tendo que passar por todos os sofrimentos não nos importávamos, porque fomos programados para viver, encontrar o desconhecido conhecendo e com a mão que sempre está próxima. Todos tememos o escuro quando de olhos fechados, ainda que de olhos abertos não se vislumbre grande coisa, ou mesmo nada, mas a simples consciência que podemos mudar esse detalhe...muda tudo...Quando algo nos foge ao controle o pânico instala-se, porque não confiamos em mais ninguém que não seja o homem, que não sejamos nós, porque não temos fé...porque não temos fé suficiente, e já não digo em Deus, mas em nós mesmos.
Vivemos uma vida inteira com medo da morte, da nossa, da dos que mais amamos e que não conseguimos jamais imaginar a nossa vida sem eles...ao mesmo tempo temos consciência que um dia será o nosso dia de partir, não é apenas a consciência, temos a certeza. Mas ainda assim, optamos por nos recordar de que isso nos vai acontecer e perder os momentos em que também temos a certeza de estarmos vivos a pensar no fim...O medo é tanto que preferimos pensar que não sabemos e que talvez as coisas não sejam bem assim, a negação é tanta que para nós isso não acontece acontecendo.
Às vezes dá-me a sensação que o ser humano tem uma inteligência absolutamente emocional, a ponto de conseguir esconder, enublar por uns tempos a certeza mais certa nesta vida. Será que não há uma maneira de matemáticamente equacionarmos a morte com normalidade? Por isso sempre preferi escrever a fazer contas, sinto-me mais inteligente, gosto da arrogância que isso me confere, não sobreviveria sem a capacidade de sentir em pleno, de cair no fundo do poço pelo que muitos acham pouco, sem a capacidade de ironizar e de discutir com o mundo...mesmo havendo equações matemáticas, a essência do ser humano, a sua fragilidade, o seu destino...nós mesmos, no fundo dos nossos mais intimos pensamentos, sentimentos...iremos sempre chorar desenfreadamente, sentir um aperto no coração...e não compreender, nem querer compreender a morte.