domingo, 30 de julho de 2006

INSPIRAÇÃO


Questiono-me vezes sem conta onde qualquer escritor, ou com pretensões a tal, vai buscar a dita inspiração. Às vezes nada sai, há dias de bloqueio interior, a alma não quer falar, talvez seja o momento em que sabemos mais de nós, o momento que fazemos luto, o momento de silêncio profundo e doloroso, que não deixa uma única lágrima correr, seria bom conseguir deixar-me chorar, mas quando a mágoa dilacera o nosso coração, o choro acaba por não ser nada em comparação com o que estamos a sentir...
Quantas vezes pego na caneta e a mão treme, não quer desenhar uma única letra, faz rabiscos que preenchem a irritação do vazio, do papel branco, inócuo...
Um dia o escritor António Lobo Antunes, respondeu-me a esta questão da inspiração de uma forma simples, que ao ínicio achei que em nada me ia ajudar, mas também só mais tarde me apercebi que a realidade, a verdade, não é só por si um garante de salvação. Não vou citar, tenho medo de não ser precisa, mas o que aquele senhor que transpirava paz de alma, juntamente com o cheiro de Ventil, me disse, foi tão somente que nem sempre se tem inspiração, mas quando se quer escrever esta tem que se trabalhar, tem que surgir, nem que isso signifique horas à volta de um parágrafo de duas linhas.
Parece simples...mas exige reflexão, exige lógica, exige beleza, não natural, mas criada, com todo o mérito que possa ter, e tem.
Mas quando há inspiração...quando as palavras soltas se cruzam em encruzilhadas labirinticas, com saídas fáceis, obstáculos difíceis, e nos fazem suspirar, suspirar de amor...tudo muda...
Porque tudo reside nesse lugar obscuro, não explicável, completamente irracional, que nos proporciona sensações...ridículas...ridiculas...mas absolutamente deliciosas invejáveis...
Só para amar a inspiração é desnecessária, talvez porque seja qualidade inata de quem ama verdadeiramente.

sábado, 22 de julho de 2006

CORPOS


Corpos desnudados partilham o mesmo espaço, colam-se com o suor da adrenalina que não conseguem controlar, tocam-se com a magia do sentir, com o amor humano.
O calor ferve nos olhos de cada um que se olha e que se imagina num outro daqui a poucos instantes, não tarda a esquecermo-nos do que vimos antes, do que ouvimos, apenas fica o cheiro, o toque, talvez o paladar único, inagualável...
Naquele momento não há linhas, não há contornos voluptuosos, suscitantes de desejos ocultos...
Naquele momento não há projectos, expectativas, nem sonhos...
Naquele momento aprendemos a olhar para o interior de quem já pensávamos um dia ter visto, com a possibilidade de vermos o oposto, de vermos uma beleza desconcertante, tímida, uma beleza que transcende o carnal, que transcende o próprio transcendental...
Naquele momento damo-nos conta que não passamos de ser humanos, que somos iguais e que ao mesmo tempo ninguém, nem mesmo nós próprios sabemos o que quer que seja em relação ao tudo gigantesco e fenomenal que nos envolve, sempre nos envolveu e sempre nos envolverá.
Naquele momento corpos despojados de pudor...corpos puros...virgens...desnudados juntam-se num abraço imaginário, num sentimento sincero de:
-"Eu sei o que estás a passar...Eu estou a passar pelo mesmo!"
Naquele momento entramos em cena porque não podemos recuar, não estamos na vida real, onde pensamos poder adiar o inadiável, naquele momento temos de dizer o que temos de dizer, temos que sentir o que temos de sentir, e dizemos! e sentimos!
Aquele momento jamais se voltará a repetir, também já não o podemos alterar, está feito, mal ou bem, fomos nós que ali estivemos e demos o nosso melhor, ainda que inconscientemente.
No final as palmas, o ecoar dos aplausos, o brilho nos olhos de corpos já vestidos, de corpos que nós passámos a conhecer enquanto tal e somente como tal...todos somos apenas corpos. Verdade difícil de aceitar, ou não seria uma verdade!

segunda-feira, 17 de julho de 2006

FÉRIAS??


É com bastante admiração que o comum mortal reflecte no facto dos índicies de suícídio serem maiores no Verão do que no Inverno! Pois a mim não me causa espanto algum, até acho compreensível, apesar de não considerar pláusivel desfecho tão trágico.
Ao Verão associa-se de imediato férias! A estas (férias) locais paradisíacos! A estes um descanso profundo que irá compensar o trabalho duro que tivemos durante um ano! E como se não bastasse, também pretendemos total harmonia, felicidade e farra com aqueles com quem vamos! Não será pedir demais? É claro que sim, mas nem por isso estas férias deixam de preencher os nossos desejos, logo se não as tivermos, (quase ninguém as tem), vem por aí um grande drama!!
Porque fica sempre bem responder à pergunta da praxe:
- "Então como foram essas férias?"
- "Muito boas!Este ano optámos pela neve!"
....ou....
-"As viagens que fizemos foram uma loucura total!"
Ninguém quer dizer, e eu acho piada a isto, (estou-me a rir neste momento):
- "Este ano nem fiz férias,isto está mal de finanças!"
....ou pior ainda....
- "Fui até à Barra quinze dias, aquela pensão era muito jeitosa!"
A questão é que, para muitos não para todos, porque não quero generalizar, o pico das férias nem são bem as férias, mas o regresso, o bronze, e as novidades (quase sempre exageradas) que se tem para contar! Para outros tantos gera-se o pânico. Porquê? Porque não há nada para contar, ou ainda o que há é seguramente muito deprimente e como tal uma humilhação.
Qual a admiração de tantas depressões no Verão? De tantos suicídios? Tempo livre, significa tempo para pensar, e muitas vezes para chegar a conclusões drásticas, de que não temos realmente nada que nos interessa para fazer, ou pior, não temos ninguém...
É uma época em que quase se exige boa disposição, alegria, que a vida nos corra bem...e aqueles com reais problemas tornam-se evidentemente em alvos fáceis, em pessoas frustradas que vêm aquilo que desejavam ser ou ter nos outros de uma forma perfeita. Ainda que não exista perfeição, todos nós o sabemos, um deprimido tem grandes facilidades e bons argumentos, para a encontar nos outros!
Mas isto não cabe só no Verão, mas em todas as épocas festivas...desde o Carnaval ao Natal, talvez só mesmo a Páscoa passe, porque é entediante para todos!!!
Como o Jorge Palma diz: "Reduz as necessidades se queres passar bem..."

quinta-feira, 6 de julho de 2006

ETERNAMENTE SÓ?

Às vezes damo-nos conta de que estamos sós, e de que os grupos não passam de uma fachada, de uma farsa, que existem porque cada um sabe que proveito quer tirar...mas será possível não se tirar nenhum proveito de um grupo mesmo sem essa intenção? As pessoas aprendem umas com as outras, até com as mais fracas...temos sempre algo a dar de nós, por mais que seja pouco, ou por mais que não interesse a ninguém. Mas ainda hoje se cai no profundo erro de querermos aprender com os melhores, sem termos consciência que os melhores já foram os piores e para subirem a dita escada da fama, que pelos vistos só isso justifica juntarmo-nos a alguém, precisaram igualmente de lidar com todo o género de pessoas, mesmo aquelas que à partida temos a noção de que não nos interessam no sentido de aprendermos algo com eles.
Quando se quer brilhar, nem que não seja para nós mesmos, e já considero um grande feito, temos de arregaçar as mangas e seja o que Deus quiser, porque nada nesta vida é prevísivel, muito menos o sucesso!
É com grande desespero que lido com a falta de humildade de pessoas que sem conhecerem as outras, ou melhor, que sem as tentarem conhecer, erguem desde logo uma enorme barreira, de tal modo grande e forte que se torna à partida impossível de derrubar. Só nos damos conta que não aprendemos nada com determinado trabalho depois de o realizarmos, e mesmo esse nada, foi um nada que foi apreendido!Existem ainda pessoas que têm medo de perder tempo...e não se apercebem que a partir do momento que colocam essa questão a elas próprias, não só já estão a perder tempo, como já perderam uma série de oportunidades!
Mas o que é isso de perder tempo?O que é tempo perdido?
Já fiz trabalhos que não me deram prazer, mas daí a considerar uma perda de tempo vai um longo caminho!!
Há alguém que vai perceber este texto lindamente...fiquei a pensar, foi positivo?Sim!Todos os minutos da vida contam, mesmo aqueles em que se preenchem de dissabores e desilusões.
Tenho tanto a aprender...tanto, e estou ansiosa por mais, venham as "marradas" contra a parede, só isso me faz continuar!É a lei da insatisfação!!
Uma vez o encenador John Mowat disse-me no seu inglês cerrado (passo a traduzir): "Há coisas em ti tão pequenas, não passam de pormenores, mas que me dão vontade de pegar em ti e trabalhar exaustivamente só contigo, mas não posso, estamos em grupo!".
Vindo de quem vem, de uma pessoa que eu admiro profundamente, um génio das artes de teatro fisíco-visual, foi algo que nem consigo explicar por palavras, encheu-me o coração, não por momentos, não por umas horas...mas para o resto da vida! Porque confirmei a minha teoria, quem ama o teatro não precisa de grandes personagens para ser o protagonista, quem é humilde ao ponto de repetir os mesmos exercícios vezes sem conta, mesmo tendo em mente que já fez aquilo uma série de vezes, só pode estar nesta vida por amor, porque quer aprender!
Quero lá saber de onde vem o teatro!Quando nasceu!Quem o inventou!Quem foram os mais célebres protagonistas!...Os melhores músicos regra geral não sabem ler pautas!O Saramago não sabe fazer pontuação!O Mia Couto reinventa palavras que não constam em parte alguma!...O Einstein era um péssimo aluno a matemática!O Woody Allen trabalhava numa fábrica!Isto diz tudo, e muito mais, fecha a questão!Assunto arrumado!Quando se quer vai-se em frente e não se colocam questões!

domingo, 2 de julho de 2006

AMAR ADENTRO


Ficou dentro de mim a necessidade de morrer para viver, para viver melhor, não mais...A certeza de que viver é um direito e não uma obrigação...Só os cobardes acham que não podem fazer nada às suas vidas para as mudar, podem fazer tanto, podem mesmo desistir de as viver, mas com dignidade, com a dignidade de perdurar apenas o tempo em que temos algo para dar, algo para ti, para aquele que sabemos valer a pena.
Que sensação fabulosa de liberdade me invade ao pensar no livre-arbítrio de cada um de nós, fingimos não possuir liberdade, para que seja esta que nos comande, para que seja esta a decidir por nós e ainda nos damos ao luxo de não gostar do que nos cai do céu, enquanto sentados esperamos que um dia tudo mude.
Ainda existem pessoas que sentadas conseguem mudar o seu destino, apenas com a força da alma, que lutam mais pela vida ao desejar a morte do que muitos que fogem dela como se não tivessem nascido, mas não conseguem nem por minutos vivê-la, amá-la.
É com tristeza que olho para o olhar dos olhos dos outros e não vejo para além da côr...vejo vazio...é bonita mas não alimenta a alma...Só quando perdemos verdadeiramente conseguimos rir para não chorar, só aí sabemos pensar, só aí saberemos viver, quando já não o pudermos mais...
É um filme comovente..."Mar Adentro".