domingo, 6 de abril de 2008

BOOK (1)


28 de Março 2007

-Preciso de ajuda! Por favor, preciso de ajuda…
-Mantenha-se calma. A ambulância já vai a caminho.
-Mas ele… Ele não se mexe nem respira. Eu acho que ele não está a respirar… Ele precisa de ajuda, rápido! Rápido!
-Tenha calma, por favor. Não vou conseguir ajudá-la se não se mantiver controlada. Tente explicar-me melhor o que aconteceu, tente…
-Eu não sei! Ele está… Não sei, ele está deitado! Ele está deitado e… e… Venham rápido, por favor, eu não sei o que fazer. Oh, meu Deus…
-A ambulância deve estar mesmo a chegar. Confirme-me novamente a morada, por favor.
-Oh meu Deus, ele não está mesmo a respirar… Oh, meu Deus… O que é que eu faço? Ajudem-me, tem de me ajudar, rápido…
-Está? Está?
-(silêncio)
-Está? Por favor, não desligue o telefone! Fale comigo! Através do pulso consegue sentir os batimentos cardíacos?
-Venham rápido! Eu… Eu não percebo. Porquê? Porquê?
-O que se passa? Aconteceu mais alguma coisa? Não deixe de comunicar comigo! Está? Ainda aí está?
As horas seguintes foram de uma lentidão atordoante. Os ponteiros do relógio mantinham-se inflexíveis, na sua rotação incessante, mas tudo o resto parecia mover-se de uma forma extremamente morosa. As sirenes, as paredes brancas do hospital, o desolador regresso a casa.
Tal como acontece no cinema, as imagens não pedem permissão para se sobrepor uma a seguir à outra, mesmo que estejamos a odiar o argumento ou nos apetece mudar completamente a história. Essa história, para o bem e para o mal, está escrita e delineada, e já ninguém a conseguirá mudar. E o facto de fecharmos os olhos de pouco servirá. Os olhos fecham mas as imagens continuarão, ficando o som encarregue de nos lembrar desse pormenor.
É nestas alturas da vida que o mundo parece mais simples e, ao mesmo tempo, nada parece fazer sentido. É provavelmente o único momento em que todos deixam cair a máscara, os trajes e a ambição. Frio e desolado como um pedregulho, o coração deixa de ter utilidade a não ser bombear o sangue, e mesmo para essa tarefa, o esforço agora requerido é quase sobre-humano.
Depois de bater duas vezes à porta, esta é finalmente aberta por um fantasma.
-Olá, eu sou psicóloga do departamento médico do Hospital S. Teotónio (da PSP). Desde já, gostaria de apresentar os meus sentidos pêsames. (silêncio) Embora isso nem sempre aconteça, neste tipo de situações gostamos de visitar os familiares mais próximos, dando, tanto quanto possível, o nosso apoio e compreensão. É verdade que nem sempre somos acolhidos com a maior receptividade mas… Como está a reagir, Sara?
A pergunta não suscitou qualquer reacção.
-Posso entrar?
Os seus olhos, embora continuassem vazios, levantam-se ligeiramente.
-Claro. Desculpe o meu estado.
-Obrigado. Eu sei o que está a passar e certamente não é nada fácil. Aliás, o caminho que agora vai ter de percorrer é penoso, longo e doloroso, mas nem por isso devemos baixar os braços e desistir. Não tenho razão? Ainda para mais eu sei que tem uma menina linda, que nasceu há pouco tempo.
-É verdade.
-Como está ela?
-Como posso saber? Só tem dois meses, provavelmente nem deu conta de nada.
-Posso vê-la?
- Ela está a dormir lá em cima.
-Acontece, por vezes, que desviamos a atenção daquilo que nos é mais importante. E isso é compreensível, tendo em conta o nível de stress e fadiga psicológico pelo qual as pessoas passam. Tem algum familiar que possa ficar consigo estes dias?
-Não.
-E acharia benéfico ter algum acompanhamento ou alguma ajuda para tomar conta do bebé?
-O quê? Nunca precisei nem vou precisar de ajuda. Está a insinuar que não sou capaz de cuidar da Madalena? Mas estarão todos doidos?
-Desculpe, se calhar expressei-me mal…
-Não tentem retirar o pouco que me resta!
-Ninguém insinuou isso e, por favor, tente compreender o meu papel. Estou aqui apenas para tentar ajudar, nada mais. E, por mais insuficiente que isso possa parecer, boa parte da ajuda que tenho para oferecer resume-se a um ombro amigo, um pouco de conversa pelo qual pode desabafar e eu vou percebendo quais são os maiores problemas. Milagres, ninguém os fará, mas conversando um pouco talvez consigamos trazer alguma paz.
-Quer ajudar-me? Quer trazer-me alguma paz? Diga aos meus sogros que quero ficar sozinha, e que agora não vou lá a casa...
Continua...

1 comentário:

Dalaiama disse...

Histórias contadas por via de diálogos ganham uma velocidade, não é? Há aqui um dinamismo, um vaivém, um ritmo, uma musicalidade!... A história em si é algo angustiante. A música dos diálogos é tocada com muitos tambores!
:-)